Viva Bem UOL: Quando histórias sobre a morte nos ensinam a viver melhor

Em suas 224 páginas, o livro “Histórias Lindas de Morrer” reúne quinze histórias reais sobre como a morte muda o significado de palavras como “tempo” e “relevância”. E, apesar do nome, é um livro sobre a vida, explica a autora Ana Claudia Quintana Arantes. Geriatra há 27 anos, ela é uma das referências em cuidados paliativos no Brasil e trabalha diretamente com pessoas que estão em tratamento de doenças graves e que, em muitos casos, não conseguem ter uma perspectiva de vida longa. São pessoas que não têm mais tempo para perder com futilidades ou mesquinharias.

“Histórias Lindas de Morrer” é o terceiro livro de Ana Claudia. Em todos, a morte é usada como artifício para falar da vida. “Escrevi este livro porque as pessoas têm o mau hábito de acharem que quem vai morrer é um fracassado, um coitado. A morte está aí para todos e é o momento de analisar como foi todo o percurso”, diz. Ao mesmo tempo, a publicação abre espaço para a discussão dos cuidados paliativos no país, que ainda tem um longo caminho para percorrer. “Especialmente na universidade, o futuro médico não aprende como tratar o sofrimento dos pacientes e as dores deles. O aluno aprende a tratar a doença e não a dor e todos os sofrimentos que acompanham uma situação limítrofe”, conta a médica que chegou a trancar a matrícula na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) por inconformismo com a situação.

De acordo com a última definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 2002, este tipo de cuidado é formado por um conjunto de práticas multidisciplinares para prevenir e tratar o sofrimento de pacientes em situações em que existe uma doença ameaçadora à vida. “Não se oferece cuidados paliativos somente a quem está nos últimos dias de vida, mas sim às pessoas que estão sofrendo com doenças graves e que oferecem algum tipo de risco”, explica Douglas Crispim, geriatra paliativista e vice-presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos.

Para Crispim, a questão dos cuidados paliativos tem chamado atenção do poder público e órgãos de saúde nos últimos anos. “É como se estivéssemos em uma estrada muito longa. Não chegamos na metade do caminho, mas se olharmos para trás, já caminhamos muito”, conta. Para exemplificar, em novembro de 2018 a oferta de cuidados paliativos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) foi normatizada pelo Ministério da Saúde. “O reconhecimento deste serviço tem aumentado ano a ano. Temos uma sensibilização maior dos hospitais públicos e privados em torno desta questão. Para comparar, no fim de 2015 eram menos de 100 serviços no Brasil para cuidados paliativos e, no fim de 2019 já eram mais de 200 serviços”, comemora.

Mas, nas universidades a discussão dos cuidados paliativos ainda é rasa ou inexistente, diz o Crispim. “A maioria das instituições de ensino não tem a formação em cuidados paliativos. O profissional ainda é ensinado para salvar vidas e não para melhorar vidas. Neste ponto não evoluímos muito, infelizmente. Não é fácil a mudar a estrutura de grade curricular de um curso tão tradicional. Esta é uma luta longa”.

Por isso, ele acredita que livros como o de Ana Claudia ampliam a discussão sobre que tipo de cuidados queremos para nossos familiares e nós mesmos. “Toda vez que temos contato com uma pessoa que tem doença grave, seja por livro ou relatos, visitamos o nosso futuro. E neste futuro podemos ter uma doença grave. O papel de livros como este é oferecer a reflexão de que importa de verdade e o entendimento de que tratar o sofrimento do outro é importante”, diz o geriatra.

“É um aprendizado diário. Não existe uma regra para minimizar o sofrimento. O que existe é estar ao lado para ouvir com atenção e com o coração e sem julgamentos o que o paciente precisa. Eu não tenho todas as respostas e o paciente sabe disso. E as vezes a única coisa que ele precisa é saber que estou com ele fazendo o meu melhor”, ensina Ana Claudia, geriatra do Einstein. Exemplo é a história de Dona J., relatada no livro. Com doença pulmonar obstrutiva crônica e com poucos dias de vida, ela confessou ter medo. “Com ela, aprendi que se o medo é sobre morte não preciso falar sobre a morte, mas sobre o medo”, escreveu a geriatra no capítulo destinado a paciente. “Aprendi a ser sincera e respeitar o que é sagrado para o outro. Pode ser a fé, um ponto de vista, uma escolha. E eles merecem uma morte justa”, diz. Uma morte justa como a definida por dona J.: “Deus é mais justo na chuva e na morte. Quando chove, chove em todo campo, no campo do rico, no campo do pobre. Chove em terreno grande, chove na horta pequena, na terra seca e na terra fértil. Molha o rio e molha o mar. Chove em todo lugar. E assim é com a morte também”.

“Histórias Lindas de Morrer” é uma publicação da editora Sextante. Está em pré-venda, disponível no formato tradicional e em e-book.

Fonte: Viva Bem UOL

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