O Globo: ‘O final da vida é triste, mas não precisa ser dramático’, diz médica

Autora de best-seller e fenômeno na web, especialista em cuidados paliativos defende que se pense e discuta a morte para viver melhor

RIO — A médica Ana Claudia Quintana Arantes estará na próxima novela das 19h na Globo, “Bom sucesso”, que estreia no fim de julho. Mas o espectador não a verá. A especialista em cuidados paliativos deu uma palestra para o elenco e a equipe técnica sobre o tema com que trabalha há um quarto de século e que será um dos motes da trama: a morte. Na novela, o personagem interpretado por Antonio Fagundes, um empresário arrogante que nunca valorizou a família, se vê diante de uma doença terminal.

A médica e consultora é autora do best-seller “A morte é um dia que vale a pena viver”, lançado em 2016 e cuja segunda edição chegou às livrarias neste ano. O vídeo com sua palestra TED, em novembro de 2012, já teve 1,7 milhão de visualizações, e o depoimento de uma de suas pacientes, já morta, superou 10 milhões de cliques.

Formada em Medicina na USP, com especialização no Instituto Pallium e na Universidade de Oxford, na Inglaterra, Ana Claudia transformou-se num fenômeno comunicacional. “O final (da vida) é triste, mas não precisa ser dramático”, diz a médica, que acaba de criar sua própria empresa de home care, ao GLOBO.

A morte é um tema que muitos evitam. Como conseguiu tantos seguidores falando de algo que causa pavor?

As pessoas evitam falar sobre esse assunto porque acham que, se falarem, vão atrair a morte. Preferem pensar só na vida, mas na verdade refletir sobre a morte não implica contradizer a vida. Ao contrário: a morte não é o oposto da vida, e sim do nascimento. Entre os dois extremos está a vida. Falar sobre a morte nos faz ter consciência sobre nosso tempo e viver uma vida que leve a um final mais leve, sem arrependimentos.

A senhora defende que todos pensem sobre a morte, e não apenas os que estão doentes?

Claro. As pessoas tendem a só pensar na morte quando recebem um diagnóstico grave. Mas pensar nela quando estamos saudáveis é uma oportunidade de ter uma vida melhor. Em algum momento teremos de pensar nisso — melhor que seja quando estamos bem, para ter o melhor final possível.

Seu objetivo é criar consciência sobre a morte?

Sim, que as pessoas deem verdadeiro valor à vida. Porque isso, em geral, só acontece quando sentem que vão perdê-la.

O que lhe dizem seus leitores e espectadores?

Os comentários de que mais gosto são os que falam sobre a necessidade de mudar nosso olhar sobre a vida, que é bonita e não deve ser desperdiçada. Muitos se dão conta de coisas que precisam fazer, seja terminar uma relação difícil, tratar melhor seu corpo, sua alimentação. É possível encarar os desafios.

Mas ainda existe muito medo de falar sobre a morte…

Acho que as pessoas têm mesmo é medo de viver. Falar sobre a morte traz a possibilidade de incorporar valores, momentos, pessoas.

A senhora dá palestras para estudantes de medicina. Qual é a sua mensagem para eles?

Eles enfrentam um grande dilema, porque nas faculdades se fala sobre como cuidar de mortais, mas não sobre mortalidade. Muitas vezes os médicos e a própria família tendem a abandonar doentes terminais. Não se incorpora a prática de cuidar do sofrimento, e sim das doenças. Com os terminais ou doentes incuráveis, a resposta costuma ser “não há nada a fazer”. Mas podemos fazer muito.

O que, por exemplo?

Primeiro, você tem que ouvir o paciente. Perguntar a ele “o que você quer de mim? O que você não gostaria? Como podemos fazer esse tempo mais feliz?”. Tenho uma paciente diabética e, no caso dela, reajustei seus remédios para que ela pudesse comer um bombom por dia. São pequenas coisas que fazem diferença. O final da vida é triste, mas não deve ser dramático. Quando a pessoa for embora, você vai lembrar das risadas, dos últimos momentos, não dos tratamentos invasivos que não levam a nada.

A senhora é contra esses tratamentos em casos de doenças incuráveis ou terminais?

Temos de respeitar a vontade do paciente. Existem estudos que mostram que 4% dos pacientes em cuidados paliativos querem ser reanimados se for necessário. Se esse é seu desejo, tudo bem, mas devemos perguntar. Toda vez que oferecemos um recurso terapêutico que vai substituir a função de um órgão, devemos pensar se esse órgão pode ser recuperado. Se um jovem sofre um acidente e tem perfuração do pulmão, é lógico colocá-lo num aparelho respirador para que o pulmão se regenere. Mas, no caso de uma pessoa com câncer de pulmão grave, que tem o pulmão destruído, não há como regenerar. A maioria de meus pacientes opta por cuidados paliativos para ser feliz até o último dia. Mas engana-se quem acha que eu ajudo as pessoas a morrer. Eu ajudo as pessoas a viver bem até o final.

Algum caso recente a comoveu especialmente?

Sim. Tive um paciente com um câncer grave que, à revelia de seu oncologista, veio me ver. Estava muito angustiado, e sua família, desesperada. O sofrimento entre cada quimio era terrível. Começamos o tratamento paliativo, e agora ele está muito melhor. Me disse que antes só olhavam para seu câncer e que eu olhei para ele, para a pessoa: “Finalmente fui visto”. É isso.

Fonte: O Globo

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